Ainda raras em determinados ofícios, elas acreditam que podem servir de exemplo para outras mulheres.
A eletricista Marília, que há dois anos integra o equipe de emergência da Light ainda causa espanto quando sobe em postes — Foto: Arquivo Pessoal
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Marília, Maria, Adriana, Carla e Miriam contam ao g1 que estão prontas a derrubar barreiras e que serviço de mulher é o que ela tiver vontade de fazer. E bem feito.
Em alta tensão
Marília Cristina de Oliveira, de 34 anos, não conhece o que é um dia calmo há quase dois anos. Única eletricista mulher do setor operacional de emergência da Light, ela vive encarapitada em cestos ou escadas nos postes de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, fazendo reparos em redes de alta, média e baixa tensão, trocando transformadores e outros servicinhos bem pesados.
Desde que ingressou na Light, há dois anos, Marília trabalha no setor mais pesado, de reparos na rede de alta tensão — Foto: Arquivo Pessoal
Ela conta que vem de uma família onde as mulheres são decididas. Mãe, tia e avó nunca se furtaram a fazer o serviço pesado dentro de casa. E agora a filha, de 18 anos, quer ser militar.
Marília acrescenta que era ela quem fazia pequenos reparos como trocar a resistência de chuveiros e mexer na fiação. E descobriu o gosto pela eletricidade. Fez cursos e trabalhou numa empresa de energia, que fazia consertos em medidor e fiação residencial.
“Eu adoro meu trabalho. Meus colegas me incentivam, me ensinam, me elogiam, e acho que é importante mostrar que, embora o trabalho seja pesado, pode ser feito por uma mulher”, disse Marília.
E nem só é energia que pinta na labuta de Marília. Recentemente, ela teve que trabalhar com uma roupa especial para lidar com uma colmeia de marimbondos ao fazer reparos na rede elétrica.
Pau para toda obra
A carpinteira Maria, única mulher entre 400 operários num dos canteiros de obras do BRT Transbrasil: “não me vejo fora de uma obra” — Foto: Divulação/Secretaria de Municipal de Infraestrutura
“Cheguei lá e não sabia fazer nada. Aí, me perguntaram se eu queria trabalhar como pedreiro, ajudante. Escolhi a carpintaria. Fui treinada, fiz cursos e vi a oportunidade de ter uma profissão. Ganhei experiência e não quero mais sair de obras. Por mim, só trabalhava em obras grandes”, disse Maria, única carpinteira no meio de 400 operários que trabalham na obra do corredor BRT Transbrasil.
Além do Maracanã, a carpinteira já passou pelos canteiros de obras da Linha 4 do Metrô e Parque Radical de Deodoro. Atualmente, é responsável pelos tapumes e estacas utilizadas no Terminal de Deodoro, da Transbrasil. Trabalha no mesmo canteiro que o filho, ajudante de pedreiro.
“Não consigo mais me ver fora de um canteiro de obras. Minha filha de 6 anos outro dia disse: ‘Mãe, também vou trabalhar em obra’. Disse para ela: ‘Deixa disso e vai estudar.’ Sou respeitada e nunca sofri preconceito bobo”, afirmou.
“Fico feliz de ver que sou um exemplo, que conquistei uma profissão. É um trabalho pesado, mas é nele que me sinto feliz”, disse Maria.
De olho nos detalhes
A engenheira Míriam Araújo é a única mulher responsável por fiscalizar toda a obra o BRT Transbrasil, incluindo os 1.600 operários — Foto: Divulgação/Secretaria Municipal de Infraestrutura
Muitas outras mulheres, engenheiras, técnicas, gerentes, administradoras dividem o canteiro de obras da Transbrasil com Maria, entre elas, a engenheira civil Míriam Araújo, de 50 anos, casada, mãe de um casal de gêmeos de 14 anos e de uma nutricionista de 24 anos.
No meio de tantos homens e mulheres, Míriam é a única responsável pela fiscalização de toda a obra. Ela gerencia diretamente uma equipe de 40 pessoas, mas tem sob sua responsabilidade o gerenciamento do trabalho de todos os 1.600 trabalhadores do canteiro.
Para a engenheira, o olhar e a sensibilidade femininas fazem diferença na fiscalização de um projeto grandioso, como a Transbrasil.
“Não desmereço o trabalho dos homens, mas acredito que a mulher é mais atenta aos detalhes do projeto, da execução. Nunca fui olhada com preconceito. Mas sinto que as pessoas me olham diferente, com admiração por ver uma mulher mostrando sua capacidade em campo. Esse reconhecimento é muito gratificante e serve de incentivo para que outras mulheres sigam em frente, conquistando seus espaços”, disse Míriam.
Trilhando novos caminhos
A maquinista Adriana mudou radicalmente seu destino, há 11 anos, quando deixou de ser manicure para conduzir trens — Foto: Divulgação/SuperVia
“Foi eu e Deus. Mas tudo deu certo”, disse Adriana, que não se arrepende do caminho trilhado até aqui.
Adriana não é a única a maquinista mulher da SuperVia. Ela conta que aprendeu a conduzir trens antes mesmo de aprender a dirigir. E lembra que é graças a esse trabalho que vem conquistando seu espaço, buscando sempre conciliar o trabalho com a criação dos filhos. Hoje, se orgulha de poder custear o curso técnico de enfermagem da filha de 20 anos.
“Fiquei mais insegura no carro do que no trem. Na rua, a gente precisa adivinhar o que o outro vai fazer, é muito mais difícil. No trem, é normal. Gosto muito do que eu faço. Sempre trabalhei no mesmo horário em que eles estudavam, então sempre tivemos muito tempo juntos”, contou Adriana, que circula por todos os ramais da rede ferroviária.
No auge da pandemia, a cerimonialista Carla teve de levar os caixões até as sepulturas, sem descer do salto — Foto: Divulgação/Cemitério da Penitência
Há quatro anos, Carla Barreto, de 48 anos, assumiu uma rotina pesada de trabalho. Teoricamente, ela não bota a mão na massa propriamente dita, como um coveiro. Se bem que no auge da pandemia, ela, que é cerimonialista do Cemitério da Penitência, no Caju, na Zona Portuária do Rio, chegou bem perto de assumir esse papel.
“Sou responsável por todo o processo que envolve sepultamentos, cremações e exumações de corpos, desde a chegada do corpo trazido pela funerária até o fechamento da gaveta ou o acionamento do forno crematório. No auge da pandemia, peguei em caixão e levei até a sepultura“, lembrou.
“Era um enterro atrás do outro, o pessoal não dava conta. Os coveiros fazem isso de botina, mas eu fazia de salto”, contou Carla.
A cerimonialista conta que, antes de ser contratada pelo Cemitério da Penitência, fazia trabalho voluntário de fazer preces em capelas nos cemitérios da cidade. Quando ficou desempregada, viu a oportunidade de estender seu trabalho aos parentes e até aos próprios mortos.
“Sou responsável por checar se os corpos foram bem preparados quando chegam da funerária, cuido da ornamentação da capela, do acolhimento à família, faço a cerimônia de despedida. Sou responsável por cada detalhe, dede que o corpo chega até que ele seja enterrado ou cremado. A gente não pode tratar um caixão como se fosse um caixote. Ali está o corpo de alguém querido de alguém, e essa família merece ser tratada com respeito, com o mínimo de barulho possível. Só deixo o corpo depois que caixão entra no nicho ou entra na esteira do crematório”, diz Carla, que também é responsável por verificar se os corpos estão aptos para exumação.
A cerimonialista Carla precisa equilibrar sensibilidade para lidar com parentes e frieza para checar o estado dos corpos e exumações, no Cemitério da Penitência — Foto: Divulgação
“É preciso afetuosidade e delicadeza no acolhimento à família. E muito sangue frio e firmeza psicológica para suportar o impacto das exumações, como acontece com um coveiro. É um trabalho pesado, desgastante e que exige um trabalho psicológico muito grande, mas que faço com muita honra e dignidade”, disse Carla, que realiza em média 20 serviços de sepultamento ou cremação por dia.