Associada a diversas melhorias para a saúde, benefícios da bebida milenar ainda são incertos. Entenda por que as evidências científicas sugerem que mais estudos precisam ser feitos.
De sabor intenso e característico, apreciado por amantes da fermentação caseira e da alimentação saudável, o kombucha é um chá cada vez mais popular.
Contudo, especialistas ouvidos pelo g1 ressaltam que a ciência ainda debate os populares benefícios da bebida, que tem um dos seus ingredientes fundamentais considerado como “quase uma incógnita”, mas que mesmo assim movimenta um mercado de 19 milhões de reais somente no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Kombucha (ABKOM).
Nesta reportagem, entenda, em 6 tópicos, sobre o que se sabe e o que ainda falta saber sobre a bebida:
- O que é, como é feito e onde surgiu?
- O consumo apresenta algum risco para a saúde?
- O que se sabe sobre seus benefícios?
- Por que a ciência ainda debate os seus efeitos na saúde?
- Quais estudos precisam ser feitos?
- Por que o kombucha é considerado uma “incógnita”?
1) O que é, como é feito e onde surgiu?
A lista dos alegados benefícios do kombucha é imensa, mas os cientistas ainda debatem os seus efeitos na saúde. — Foto: Pexels
Esse agrupado, chamado de scoby (do inglês, symbiotic culture of bacteria and yeast), é o resultado da fermentação do açúcar, do chá, geralmente preto ou verde, e do líquido de uma produção anterior. O scoby se “alimenta” do açúcar ao longo de alguns dias, dando o aspecto gaseificado e o sabor agridoce característico da bebida.
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Especialistas sugerem que esse “chá da imortalidade”, como era conhecido, surgiu em meados do século III, mas sua origem ainda é incerta.
“Há pesquisadores que afirmam ser uma bebida originária da Manchúria, que hoje equivale a região no nordeste da China”, explica Camile Cecconi, mestre e doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade do Vale do Itajaí.
O que se sabe, de fato, é que a bebida de sabor intenso sempre foi associada a diversos benefícios que, contudo, ainda estão em debate pela ciência.
No Brasil, o produto começou a ser consumido por pessoas que faziam sua produção artesanal e, nos últimos anos, vem ganhando cada vez mais as prateleiras dos mercados.
2) O consumo apresenta algum risco para a saúde?
Os principais riscos estão associados ao consumo de uma produção artesanal. Ceconni explica que a possibilidade de intoxicação por chumbo, substância presente no pigmento de esmalte usado em alguns potes de cerâmica onde é feita a fermentação, é relatado em algumas pesquisas.
Tendo isso em vista, a especialista ressalta que os materiais mais indicados para a produção são o vidro e o aço inox.
Fora isso, além dos cuidados com os utensílios, a higiene nas etapas de preparação é fundamental para se evitar uma contaminação microbiológica.
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Outro fator indispensável, segundo Ceconni, é a utilização de um recipiente com bocal largo para que haja troca de ar com o ambiente. Esse recipiente, por sua vez, deve ser coberto com uma gaze limpa ou um pano para que desse modo a entrada de insetos e contaminantes na bebida seja evitada.
Em relação à quantidade de consumo, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) recomenda um limite de 300 mililitros (ml) por dia. Apesar disso, Ceconni ressalta que, como tudo em nutrição, a quantidade “ideal” vai depender muito de pessoa para pessoa.
“Há pessoas que com consumo de 100 ml, por exemplo, referem efeito laxativo, outras não, então realmente depende”.
Os especialistas ouvidos pelo g1 são claros e alertam que pesquisas ainda precisam ser feitas para que seus benefícios, efeitos terapêuticos e possíveis toxicidades sejam avaliados com mais precisão. — Foto: Reprodução/TV Globo
A lista dos alegados benefícios é imensa, vai desde regular a flora intestinal, reforçar a imunidade, ajudar no diabetes e até aumentar a resistência do corpo ao câncer.
Contudo, os especialistas ouvidos pelo g1 são claros e alertam que pesquisas ainda precisam ser feitas para que seus benefícios, efeitos terapêuticos e possíveis toxicidades sejam avaliados com mais precisão.
“A ciência por trás do kombucha explodiu desde 2018; muitos estudos ainda estão por vir”, destaca Julie Kapp, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Missouri, nos EUA.
“Nós simplesmente não sabemos se as alegações sobre o kombucha são verdadeiras ou não até que os resultados de novos estudos surjam”, acrescenta.
4) Por que esse é um debate?
A questão toda tem a ver com o tipo de estudo que tem sido conduzido e o que a ciência sabe sobre os benefícios dos probióticos, microrganismos que regulam a saúde intestinal, e consequentemente, do nosso corpo (entenda mais sobre os probióticos abaixo).
A maioria das pesquisas sobre a bebida milenar tem sido feita utilizando modelos em animais, linhagens celulares, tubos de ensaio, etc., técnicas historicamente importantes para a ciência, mas que não podem ser tidas como conclusivas.
“Não podemos supor que o que foi evidenciado nessas pesquisas, ocorrerá da mesma forma no corpo humano, que é muito mais complexo”.
5) Quais estudos precisam ser feitos?
São raros os estudos clínicos randomizados sobre o tema. Esses RCTs (do inglês, randomized controlled trial) são considerados “padrão-ouro” por fazerem uma análise bastante precisa: eles dividem grupos que recebem um determinado tratamento e outros placebo. Assim, os pesquisadores conseguem fazer comparações com mais rigor.
Em 2018, por exemplo, cientistas da Universidade de Lund, na Suécia, fizeram uma análise do tipo: um grupo de pessoas recebeu água e o outro kombucha. Contudo, os resultados dessa pesquisa ainda não foram publicados.
“No nosso caso, os resultados estão atrasados porque o início da pandemia diminuiu nossa capacidade de conduzir a pesquisa. Isso provavelmente é verdade para os outros RCTs”.
Além disso, Radomir Malbaša, professor de Química Aplicada e Engenharia da Universidade de Novi Sad, na Sérvia, explica que o kombucha não é um medicamento “clássico”, produzido por laboratórios farmacêuticos, mas sim, um suplemento alimentar fabricado principalmente em casa. Por isso é muito difícil realizar um estudo clínico completo sobre, explica.
“Os efeitos benéficos atribuídos ao kombucha são relatados por usuários de longo prazo, não se pode esperar que o kombucha possa ajudar depois de apenas algumas xícaras”, diz.
6) A incógnita do kombucha
Embora os cientistas ainda debatam se as bactérias presentes no kombucha podem ser classificadas como probióticas, diversas marcas vendidas no Brasil rotulam seus produtos como tal e ainda apresentam propriedades funcionais proibidas.
Numa análise de 2020 sobre a adequação de 24 amostras comercializadas no país, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás relataram que algumas bebidas indicaram propriedades que não puderam ser demonstradas ou até mesmo funções medicinais ou terapêuticas, o que é proibido por uma resolução da Anvisa de 1999.
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Aliado a isso, em 2019, uma revisão da literatura científica sobre as “bactérias do bem”, como são chamados os probióticos, concluiu que “os benefícios e a viabilidade do consumo de probióticos em adultos saudáveis permanecem incertos”.
“O que temos de fato científico é que as bactérias presentes no kombucha não pasteurizado possuem as propriedades probióticas”, explica Malbaša.
Já Kapp acrescenta que o que a ciência sabe, de fato, é que o kombucha (em sua forma bruta) é um composto de microrganismos vivos que apresenta um “coquetel” de substâncias, incluindo fibras, vitaminas e minerais. Mas a professora faz um alerta.
“O que ainda não sabemos é se podemos juntar todas essas peças para dizer que beber kombucha resulta em algum benefício para a saúde humana e, se isso acontecer, qual é o benefício? Estamos esperando por esses resultados científicos”.
Por Roberto Peixoto, g1