Comida da ‘felicidade’? Entenda como o triptofano atua e saiba onde achar o aminoácido que ajuda no bem-estar
Especialistas explicam que embora não exista um alimento ‘perfeito’ que vai induzir essa sensação no corpo, práticas saudáveis quando associadas com um melhor relacionamento com a comida estimulam o sentimento. Veja como isso é possível.
Atum, peru, castanha, cacau e muitos outros alimentos contêm triptofano. — Foto: Celso Tavares/g1
Existe alimento que traz felicidade, tal como numa poção mágica? Por que associamos o cacau e comidas calóricas de fast-food a essa sensação de bem-estar? Mas e outras comidas mais caseiras, como o típico arroz e feijão do brasileiro, são capazes de induzir esse sentimento? Isso realmente acontece?
Para responder essas e outras perguntas que explicam quais são os processos químicos que ajudam nessa sensação o g1 ouviu especialistas no tema.
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Todos são claros: embora alimentos como os ricos em triptofano sejam importantes para o nosso bem-estar, não existe uma única comida perfeita e ideal que vai induzir sozinha essa sensação no corpo. Os especialistas defendem a prática de hábitos saudáveis associada ao melhor entendimento do que estamos comendo para que o alimento nos ajude a sermos de fato mais “felizes”.
O papel do triptofano e da serotonina
Neiva Souza, nutricionista e doutoranda em Neurologia e Neurociências pela UNIFESP explica que nenhum alimento, isoladamente, passará a sensação de felicidade.
O que acontece é que algumas comidas possuem certos nutrientes que estão envolvidos no processo que regula o humor no nosso cérebro e o triptofano é um deles.
Para entender como ele funciona, precisamos lembrar que os nossos neurônios, as células nervosas do corpo, se comunicam uns com os outros e esse processo todo de troca de informações acontece por meio dos chamados neurotransmissores, moléculas mensageiras que são liberadas de um neurônio para outro.
Como age o triptofano — Foto: Editoria de arte/g1
Por isso, ao consumirmos alimentos que possuem boas quantidades de triptofano, um aminoácido que estimula a síntese da serotonina (neurotransmissor que está associado a sensação de bem-estar), mandamos uma mensagem para o cérebro que incita o sentimento da felicidade.
Mas se a prática for isolada de uma alimentação equilibrada e hábitos saudáveis, ela não irá trazer os resultados esperados (entenda mais abaixo).
“A alimentação como um todo precisa estar equilibrada, com fontes vegetais, verduras, legumes, frutas, cereais integrais e sementes, para que essa alimentação como um todo entregue os nutrientes para a saúde cerebral”, alerta a médica.
Arroz e feijão já entregam boa quantidade
Como o triptofano é um aminoácido essencial (o corpo não o produz), precisamos ingerir alimentos ricos na substância (veja ilustração acima), e diversas comidas presentes no nosso dia a dia contêm triptofano. Não é preciso ir longe: cereais, carnes, frutas, peixes e até mesmo o leite contêm bons níveis da substância.
“A combinação arroz e feijão é muito interessante, por exemplo, pois entrega boa quantidade de triptofano”, acrescenta Souza.
Cereais como o arroz e sementes como o feijão são boas fontes de triptofano. — Foto: Celso Tavares/g1
“Uma salada rica em vegetais, principalmente os verde escuros, auxilia a saúde cerebral, e se misturarmos oleaginosas [como castanhas] e sementes, agregaremos além de mais sabor, maior quantidade de triptofano e dos nutrientes importantes para formação de serotonina”.
Entre a lista dos alimentos que são fontes desse aminoácido e possuem também outras vitaminas e minerais envolvidos na formação de serotonina, os especialistas ouvidos pelo g1 citam os principais grupos:
- Carnes, peixes, ovos, leite e seus derivados;
- Sementes oleaginosas (como amêndoas, macadâmia, castanha do Pará, castanha de caju, nozes, amendoim, pistache, pinhão);
- Sementes integrais (principalmente a de girassol e abóbora);
- Cereais (como o arroz, aveia, milho);
- Leguminosas (como o feijão, grão de bico, ervilha e lentilha);
- Vegetais como brócolis, tomate, rúcula e cogumelo (que tem ácido fólico, que interage com a noradrenalina e com a serotonina);
- Cacau;
- Frutas como a banana e kiwi
Mas também não adianta exagerar no consumo. A dose diária de triptofano recomendada pelos especialistas para a dieta de um adulto de cerca de 80kg vai de 278 a 476 mg (veja abaixo a concentração de alguns alimentos).
Assim como sua colega, a endocrinologista Paula Pires ressalta que, quando o assunto é comida, precisamos lembrar que ela não faz “mágica” e não é exagerando no consumo de alimentos ricos em triptofano que, instantaneamente, teremos um pico de felicidade. Pelo contrário.
“O kiwi, por exemplo, é bom porque ele aumenta o triptofano, mas não adianta comer um quilo de kiwi por dia”, alerta a médica.
Como estimular a produção de serotonina?
Simon Young, professor da McGill University no Canadá e especialista em neuroquímica comportamental ressalta que qualquer pessoa que esteja comendo uma dieta saudável estará recebendo triptofano suficiente através da alimentação, porém se o nível de triptofano no sangue for reduzido, como mostram alguns estudos, algumas pessoas, mas não todas, podem apresentar uma diminuição do humor.
“Da mesma forma, aumentar a serotonina dando triptofano tem um efeito antidepressivo em algumas pessoas deprimidas, mas não em todas”, destaca.
Isso ocorre porque, conforme explica Lina Sant’Anna, mestre em Nutrição e Metabolismo pela Universidade Federal de Santa Catarina, baixos níveis de serotonina estão frequentemente associados a muitos distúrbios comportamentais e emocionais que podem levar à problemas psicológicos como depressão, ansiedade, crises de raiva, insônia, comportamento suicida e transtorno obsessivo-compulsivo.
Por isso, além uma dieta contendo alimentos ricos em triptofano como carnes, tofu e aveia, Sant’Anna diz que uma boa estratégia que pode elevar a serotonina cerebral é a prática de exercícios físicos, principalmente os aeróbicos como caminhada, corrida e dança.
Praticar exercícios físicos também é fundamental para ajudar na sensação de bem-estar. — Foto: Caíque Cahon – UFJF/Divulgação
“Está cada vez mais evidente a relação da microbiota intestinal no comportamento, nas emoções e na imunidade e problemas intestinais como diarreia frequente ou prisão de ventre podem causar perturbações do sistema nervoso central”, diz.
Por isso, aponta a especialista, consumir alimentos ricos em probióticos (bactérias que regulam a saúde intestinal) como kefir, kombucha, repolho azedo, iogurtes naturais, e alimentos ricos em prebióticos (fibras) como aveia, alho, cebola, banana e feijões também pode ser uma boa ideia para estimular a produção de serotonina no organismo.
Suplementação é necessária?
“A suplementação de triptofano definitivamente não é necessária para a maioria das pessoas”, revela Young.
O pesquisador destaca que a prática pode ser apropriada se um médico estiver, por exemplo, tratando um paciente com depressão e achar, por algum motivo, que o triptofano pode ser preferível a outros medicamentos antidepressivos.
Banana, ameixa e maçã também são frutas que contêm triptofano. — Foto: Celso Tavares/g1
Doses maiores que isso podem trazer efeitos negativos como tontura, náuseas, sonolência excessiva e tremores.
“Pessoas que utilizam medicamentos antidepressivos também devem evitar a suplementação de triptofano, pois podem causar uma grave interação”, alerta a especialista.
Água também é fundamental
E não adianta também se alimentar bem e ter hábitos saudáveis e esquecer de beber água.
A doutoranda em Neurologia pela Unifesp, Neiva Souza, explica que a ingestão do líquido é fundamental para todas as reações e funções do corpo, incluindo o cérebro.
“Existem estudos mostrando que a desidratação só impacta negativamente nas funções cerebrais, dessa forma, a regulação de algumas funções, como o humor, prazer e bem estar, provavelmente possam ser afetadas”, diz.
Beber água faz parte dos hábitos saudáveis — Foto: Shutterstock
“Então, na verdade, você tá com sede, mas tá achando que tá com fome às vezes. Come até mais porque, na verdade, você está desidratado”.
Chave é adaptar com o que temos, não restringir
É só procurar pela internet pela palavra dieta que podemos encontrar uma lista de diferentes regimes alimentares que prometem de tudo e mais um pouco; desde secar o corpo em 7 dias até aquelas que com um simples shake ou suco garantem acelerar o nosso metabolismo.
Mas Pires garante que não é preciso irmos atrás dietas milagrosas que além de restringirem a seleção de alimentos a uma cesta de produtos que às vezes é díficil de encontrar fora das grandes das capitais do Brasil, como frutas silvestres e condimentos importados, termina muitas vezes frustrando mais do que satisfazendo quem as segue.
“Hoje em dia a gente orienta que as pessoas achem prazer em atividades mais saudáveis porque só fazer dieta e restringir libera hormônios do estresse”, explica a médica.
Ela salienta que tudo o que é muito radical estressa o organismo. E estressar o organismo significa uma ativação do do chamado eixo hipotalamo-hipofise-adrenal que secreta o cortisol, o hormônio do estresse.
Na prática, a pesquisadora diz que a chave da questão é adaptarmos com o que temos, e não restringir nossa alimentação, através da busca por produtos regionais e mais acessíveis que nos sejam prazerosos e estimulem o hábito de cozinhar.
“Quanto mais comida caseira, feita em casa e mais próximo do natural, sem excesso de industrializados e ultraprocessados melhor”, pontua Pires.
Esses últimos são, na verdade, os vilões do bem estar, explica a médica. Eles levam ao comportamento automático e repetitivo e, muitas vezes, um arrependimento pós consumo. Mas de novo, não adianta restringi-los 100% de nossa dieta.
Por isso, por mais clichê que pareça, a questão é o equilíbrio, pontua a endocrinologista.
“As pessoas precisam entender que essas dietas são muito parecidas e que na verdade a gente tem que encontrar o que a gente consegue seguir a longo prazo. Eu brinco no consultório: cada panela tem a sua tampa, vamos escolher a sua tampa.
Por Roberto Peixoto, g1