Casos levantaram críticas de especialistas e questionamento da Justiça. Ministério da Saúde enviou ofício a secretários alertando que nem todos profissionais de saúde devem ser vacinados nas primeiras fases da campanha.
“Desordem”, “falta de planejamento” e “erro”. Especialistas ouvidos pelo G1 analisam de forma negativa um dos aspectos das primeiras semanas da campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil. O alvo da crítica são as cidades que passaram a vacinar profissionais da área de saúde que não atuam na linha de frente do combate à pandemia. Biólogos, psicólogos e educadores físicos, entre outros profissionais, ganharam prioridade em locais onde as doses não começaram a chegar aos idosos.
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Apenas na Região Metropolitana de São Paulo, das 39 cidades, 21 escolheram não priorizar apenas os profissionais de saúde da linha de frente do combate à Covid-19, de acordo com levantamento feito pela TV Globo. Mas os relatos se multiplicam pelo país. Alegrete (RS), Campinas (SP) e João Pessoa (PB) são outras cidades que agora precisam reavaliar se manterão a estratégia.
Nesta segunda-feira (8), mais de duas semanas depois de lançar a segunda versão do Plano Nacional de Imunizações (PNI), o Ministério da Saúde enviou um alerta aos secretários de saúde: é preciso seguir os grupos prioritários. Trabalhadores de saúde em geral que não atuam diretamente contra a Covid-19 não devem ser vacinados agora.
“Ao que parece, faltaram parâmetros aptos a guiar os agentes públicos na difícil tarefa decisória diante da enorme demanda e da escassez de imunizantes”, escreveu o ministro.
Dar prioridade a públicos-alvo e ter clareza em quem deve ser vacinado em cada fase é o norte que delimitou, por exemplo, o plano de vacinação no Reino Unido. Lá, a fila anda conforme o risco de mortalidade. O Ministério da Saúde do Brasil buscou o mesmo critério, mas o plano britânico é mais objetivo ao delimitar a ordem da vacinação e não cita os profissionais da saúde de forma ampla.
“A nossa proposta inicial era que pessoas do grupo de maior risco à infecção, no caso os idosos, e os profissionais da saúde da linha de frente fossem imunizados juntos no primeiro momento. Agora, por conta da falta de vacina, eles não estão sendo vacinados”, explica o infectologista Marcelo Otsuka.
“Os municípios que estão vacinando esses grupos [qualquer profissional que não faça parte da linha de frente], estão fazendo errado”, afirma Otsuka.
Fila de profissionais da saúde de Aracaju para receber dose de vacina contra a Covid-19 na UBS Augusto Franco; há denúncia de aglomeração — Foto: Michele Costa/TV Sergipe
“O Brasil está com uma grande dificuldade em ter profissional da saúde atuando na linha de frente contra a Covid. As equipes sofreram muitas perdas de médicos e enfermeiros que se contaminaram. Isso reduziu muito a força de trabalho. Precisamos protegê-los”, diz Ostuka.
Para o infectologista Renato Grinbaum, da Sociedade Brasileira de Infectologia, diante da escassez, é preciso seguir os critérios técnicos.
“Temos que ter uma comissão de técnicos, sem interferência política, que seja capaz de escolher quais são as áreas de maior risco a doença. Essa prioridade pode mudar de local para local, mas o primeiro grupo a ser vacinado deve ser sempre o que está apresentando o maior número de óbitos e os profissionais da saúde que trabalham na linha de frente”, diz Grinbaum.
Além de ressaltar que as vacinas da “primeira fase” deveriam ir para profissionais da linha de frente e mais três grupos, o Ministério da Saúde lembrou que as cidades e estados têm autonomia para fazer mudanças, mas que precisam assumir o risco de ficar sem doses para os grupos prioritários.
“Estamos vendo uma completa desordem e uma falta de planejamento na vacinação contra a Covid no Brasil. Estamos vendo profissionais da saúde aposentados sendo vacinados, parentes de pessoas influentes, e etc”, afirma o infectologista Grinbaum.
Por outro lado, ele aponta uma categoria de profissionais da saúde na linha de frente que corre o risco de acabar invisível.
“Alunos de medicina no internato e residentes que têm contato direto com a Covid não estão sendo vacinados pelo fato de não terem um diploma ou de não serem contratados do hospital. Por aí vemos que é um planejamento precário de vacinação” – Renato Grinbaum, da Sociedade Brasileira de Infectologia
Atualmente, os grupos prioritários listados no PNI somam mais de 77,2 milhões de brasileiros, número muito maior do que as 10,7 milhões de doses que o Ministério da Saúde entregou até janeiro.
Mesmo considerando as remessas que o país espera receber neste trimestre – até o final de março, devem chegar 27,37 milhões de doses da Coronavac, assim como 1,6 milhão de doses enviadas pelo consórcio Covax e 7,5 milhões de doses do imunizante da Universidade de Oxford/Astrazeneca. A quantidade não é suficiente para vacinar nem mesmo um quarto dos 27 grupos estabelecidos como prioritários.
Plano no Reino Unido
O Reino Unido foi o primeiro país a começar a vacinar a população contra a Covid-19 no mundo. Igual ao Brasil, o país tem um robusto sistema de saúde pública, o NHS, equivalente ao SUS, responsável por elaborar um plano nacional de imunização e por adquirir e distribuir as vacinas aos governos locais.
Já no Reino Unido, o plano define como grupos prioritários aqueles que “representem cerca de 99% da mortalidade evitável pela Covid-19”, na seguinte ordem:
- residentes em lar para idosos e seus cuidadores
- 80 anos ou mais, assistentes sociais e profissionais de saúde da linha de frente
- 75 anos ou mais
- 70 anos ou mais e indivíduos extremamente vulneráveis
- 65 anos ou mais
- idade entre 16 anos a 64 anos com condições de saúde com maior risco de doenças graves e mortalidade
- demais com 60 anos ou mais
- demais com 55 anos ou mais
- demais com 50 anos ou mais
“As primeiras prioridades do programa de vacinação da Covid-19 devem ser a prevenção da mortalidade e a manutenção dos sistemas de saúde e assistência social. Como o risco de mortalidade pela Covid-19 aumenta com a idade, a prioridade se baseia principalmente na idade. A ordem de prioridade para cada grupo na população corresponde aos dados sobre o número de indivíduos que precisam ser vacinados para evitar uma morte”, explica o documento, publicado no site do NHS.
Por Laís Modelli, G1